Martin N. Dreher

Primeiros imigrantes alemães no campo

Primeiros imigrantes alemães no campo
Becker & Mückler em Agudo/RS, sem data. Acervo do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo

Mesmo que desde os primórdios do Brasil português tenha havido presença de “alemães”, foi o Marquês de Pombal o primeiro a tentar valer-se deles na agricultura, ao fundar a Vila Viçosa da Madre de Deus no Amapá, onde produziriam alimentos para os habitantes da Fortaleza de Macapá. Foram consumidos por indígenas e por mosquitos (cf. Oberacker, 1966). A base legal para que estrangeiros pudessem ser proprietários de terras no Brasil foi decretada pelo Príncipe Regente João em 25 de novembro de 1808 e, três anos mais tarde, em 19 de fevereiro de 1811, através de aviso o Conde de Linhares estabelecia as terras limítrofes entre a Bahia e o Espírito Santo como áreas prioritárias para a colonização (cf. Iotti, 2001). Não é, pois, por acaso que em 1821 o Major Georg Anton von Schaeffer, fundaria nessa região, às margens do rio Jacarandá, a colônia de Frankenthal com vinte indivíduos distribuídos em quatro famílias, orgulhando-se de nela não haver sido utilizado trabalho escravo (cf. Oberacker, 1975). Sabemos, contudo, que posteriormente os ali estabelecidos se integrariam ao sistema escravista, motor da economia do Brasil até 1888. Antes do empreendimento de von Schaeffer havia sido instalada, em 1818, com o concurso de imigrantes suíços do cantão de Friburgo na Fazenda do Morro Queimado no distrito de Cantagalo, no Rio de Janeiro, o que hoje é Nova Friburgo. Neste mesmo ano, na Capitania da Bahia, às margens do Peruípe, no Distrito de Vila Viçosa, por iniciativa do empreendedor Freyreiss, foi instalada a colônia “Leopoldina”. Também o arquiteto Peter Weyll e um senhor Saueracker receberam terras junto ao rio Almada, perto de São Jorge dos Ilhéus (cf. Oberacker, 1968, e Iotti, 2001). Aí seriam assentados imigrantes alemães nos anos de 1821 e 1822. Ainda em 1824, o imigrante Peter Reinheimer e família, naturais de Altenglan, seriam arregimentados para Almada, mas preferiram ser localizados em Três Forquilhas e, posteriormente, em São Leopoldo/RS (cf. Dreher, 2011).

O Decreto Real de 16 de março de 1820, em seu artigo 6, determinou que colonos que se fixassem em terras concedidas pela Coroa tornar-se-iam de imediato súditos portugueses (cf. Biker, 1880). Esse decreto teria sua importância, mesmo que considerado enganoso, para a propaganda do Império do Brasil, quando do início de suas atividades colonizadoras.

Já antes da proclamação da independência, o Príncipe Regente Pedro e o primeiro chanceler do Império, José Bonifácio de Andrada e Silva, enviaram o ajudante de ordens da Princesa Leopoldina, Georg Anton von Schaeffer, à Europa Central em busca de contingentes militares. O próprio Schaeffer, no entanto, insistiria junto ao Príncipe Regente e a José 119 Bonifácio para que não trouxesse apenas soldados, mas também agricultores e artesãos. Recomendou que nas áreas em que os colonos fossem instalados não houvesse escravos africanos. Além disso, aconselhou que se fizesse colonização com pessoas livres, como acontecera com colonos alemães na Rússia. As suas recomendações e conselhos encontraram ressonância nas “Instrucçõens particulares para servirem de regulamento ao Snr. Jorge Antonio Schaeffer na missão com que parte desta Corte para a de Vienna d’Austria , e outras” (cf. Arquivo Diplomático da Independência, IV, 1922). Foi com base nas “Instrucçõens” e no Decreto Real de 1820 que Schaeffer passou a recrutar soldados, agricultores e artesãos para o Brasil. Com os soldados, Dom Pedro criaria regimentos de estrangeiros, com os agricultores e artesãos seriam fundadas colônias agrícolas, tendo como modelo as colônias de cossacos na Rússia: em tempos de paz seriam agricultores, em tempo de guerra seriam recrutados como soldados. De fato, foi isso que aconteceu. Os agricultores e artesãos instalados no Rio Grande do Sul e, posteriormente, em Santa Catarina, tiveram participação ativa na Guerra Cisplatina, na Revolução Farroupilha e na Guerra do Paraguai.

Em Hamburgo, Schaeffer conseguiu o apoio do Senador da Polícia Abendroth, cujo sobrinho era comerciante no Rio de Janeiro e, posteriormente, aí seria cônsul do governo de Mecklenburg, após fazer a promessa de que livraria a cidade de vagabundos e desocupados. De fato, nas primeiras levas de emigrantes que embarcaram nos navios fretados por Schaeffer encontramos pessoas tiradas do presídio de Hamburgo. Em Oldenburg, o duque consentiu que Schaeffer recrutasse colonos em seu domínio de Birkenfeld, no Palatinado, onde a população passava por necessidades em decorrência de sucessivas más colheitas. Em Mecklenburg- Schwerin, o enviado brasileiro negociou o reconhecimento da independência do Brasil em troca da transferência de ocupantes das casas de correção para o Brasil. Temos aqui um dos muitos casos de deportação, prática comum nos estados europeus da época. Três levas de emigrantes de Mecklenburg chegariam ao Brasil. Logo a área de recrutamento de emigrantes seria transferida para as regiões de Hessen e do Palatinado, com preponderância para o Planalto do Hunsrück (cf. Dreher, 2010). A semelhança dos dialetos falados nestes territórios levaria a que, com o tempo, todos os originários destas regiões fossem transformados em “Hunsrücker”.

Após o período inicial de imigração que se estendeu até 1835, quando eclodiu a Revolução Farroupilha, inviabilizando em boa medida o ingresso de novos contingentes até 1845, uma nova onda de imigração proveniente dos territórios alemães se fez sentir a partir de 1846. Se no primeiro período a colonização esteve orientada em critérios geopolíticos, buscando assegurar a posse de território e o fornecimento de gêneros alimentícios e soldados para regiões de conflito, o período inaugurado em 1846 orientou-se muito mais em critérios econômicos e esteve sob a orientação das províncias e de particulares. Enquanto as províncias incentivavam a produção com a finalidade de aumentar sua arrecadação, particulares valeramse da especulação imobiliária ou buscaram rendimentos para acionistas, como foi o caso da colônia de Joinville/SC. A Província de São Paulo ficaria marcada pela introdução de meeiros para as plantações de café, fato que ficaria internacionalmente conhecido em decorrência da revolta liderada por Thomas Davatz e das obras de Johann Jakob von Tschudi (cf. Fluck, 2004).

A partir das iniciativas do império, das províncias e de particulares surgiram as 121 seguintes regiões coloniais:

Rio Grande do Sul
São Leopoldo (1824) Proveniência: Hamburgo, Mecklenburg-Schwerin, Palatinado, Hessen, Saxônia-Coburgo, Württemberg
Santa Cruz do Sul (1849) Proveniência: Renânia, Pomerânia, Silésia
Santo Ângelo (Agudo) (1857) Proveniência: Renânia, Saxônia, Pomerânia
São Lourenço do Sul (1857) Proveniência: Renânia, Pomerânia
Nova Petrópolis (1858) Proveniência: Pomerânia, Saxônia, Boêmia
Teutônia (1868) Proveniência: Westfália
Santa Catarina
Blumenau (1850) Proveniência: Pomerânia, Holstein, Hannover, Braunschweig,Saxônia
Joinville (1851) Proveniência: Prússia, Oldenburg, Schleswig-Holstein, Hannover, Suíça
Brusque (1860) Proveniência: Baden, Oldenburg, Renânia, Pomerânia, Schleswig-Holstein, Braunschweig
Paraná Diversas povoações em torno de Ponta Grossa, surgidas nos anos de 1877/79, a partir da imigração de alemães do Volga (Ucrânia)
Espírito Santo
Santa Isabel (1847) Proveniência: Palatinado, Hessen
Santa Leopoldina (1857) Proveniência: Pomerânia
Rio de Janeiro
Nova Friburgo (1818) Proveniência: Suíça, Mecklenburg, Hessen
Petrópolis (1845) Proveniência: Palatinado, Westfália, Nassau, Renânia
São Paulo
Santo Amaro (1827/1828) Proveniência: Palatinado, Hessen
Colônia (1827/1828) Proveniência: Palatinado, Hessen
Itapecerica da Serra (1827/1828) Proveniência: Mecklenburg, Palatinado, Hessen
Rio Claro (1827/28) Proveniência: Palatinado, Renânia
Rio Negro (1828) Proveniência: Mecklenburg, Palatinado, Hessen
Limeira (1846) Proveniência: Schleswig-Holstein, Pomerânia, Suíça
Minas Gerais
Teófilo Ottoni (1847) Proveniência: Potsdam, Baden, Pomerânia, Saxônia
Juiz de Fora (1852) Proveniência: Hessen, Schleswig-Holstein, Baviera, Nassau, Braunschweig, Saxônia

Na relação acima estão listados os núcleos iniciais. Ao final do século XIX eles já 123 haviam dado origem a novos núcleos nos quais seriam abrigados os excedentes populacionais das primeiras colônias e instalados novos imigrantes.

Foi nestes núcleos, iniciados em 1824, que se ensaiou o modelo econômico que seria, posteriormente, reproduzido em outras áreas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Espírito Santo. Este modelo encontra correspondentes na Argentina, no Uruguai, no Paraguai e, parcialmente, no Chile. Em todas essas regiões, é interessante observar seu mapa físico atual. Nele constatamos a existência de municípios com pequena área territorial, originários da região de pequena propriedade rural, hoje com grande densidade populacional, enquanto que a seu lado existem municípios com grande extensão territorial, originários da região do latifúndio.

Os pequenos municípios dos estados mencionados têm sua origem numa forma de organização social denominada de picada. A designação também pode ser substituída, regionalmente, por linha, lajeado, travessa ou travessão. Em Santa Catarina é corrente a expressão “tifa”, corruptela do termo alemão Tiefe. Na literatura podemos encontrar, ainda, a designação alemã Schneise ou a forma alemanizada Pikade. A picada é a forma básica de penetração na floresta subtropical, na qual se busca abrir com os instrumentos disponíveis vias, ao longo das quais vão sendo instalados imigrantes, em lotes que lhes são designados. Na demarcação dos lotes, obedeciam-se critérios de natureza topográfica. Numa das extremidades, o rio ou seu afluente servia de limite. O lote estendia-se encosta acima até encontrar-se com outro que subia de outro vale. Nos topos dos morros ficava localizada a linha, picada ou travessa. A geografia determinava, assim, o tamanho de cada uma das comunidades que se estabeleciam.

Nos lotes assim demarcados, ao 125 longo das trilhas abertas, os proprietários abriam sozinhos ou em mutirão, uma clareira, na qual era construída a moradia e uma série de instalações complementares à sobrevivência do agricultor: estrebaria, pocilga, paiol.

A picada que, inicialmente, nada mais era que trilha de acesso a uma propriedade, passou a ser, em pouco tempo, orientadora e organizadora da vida comunal, geograficamente identificável. Era a unidade humana, na qual se encontrava o templo (católico ou luterano, as confissões religiosas às quais pertenciam os imigrantes alemães), a escola (tradição trazida pelos imigrantes e que teria importância fundamental para o desenvolvimento do Brasil meridional), o cemitério (espaço de preservação de memória comunal), a residência do professor ou do padre/pastor, o salão de festas comunitárias (também designado de sociedade ou clube). Cada picada abrigava uma casa comercial, entreposto para o qual eram vendidos os excedentes de produção e através do qual se adquiriam bens não produzidos na comunidade. A casa comercial, muitas vezes conhecida por “venda”, era a porta de comunicação da picada com o mundo exterior.

Este o esquema geral da picada. Sua estrutura institucional, seguindo a forma de sua instalação, buscou autonomia, auto-suficiência, auto-administração e auto-gerenciamento, pois o quotidiano girava em torno de quatro eixos fundamentais: religião, escola, agricultura, arte e diversões. Em todas as picadas foram reservadas áreas de terra para a construção de capela, cemitério, moradia de pastor ou vigário. Cada capela tinha sua diretoria, que envolvia todos os moradores da picada, também para a construção e manutenção das capelas, tarefas que pertenciam às atribuições das diretorias. Não se contratavam serviços externos. Fato semelhante aconteceu com a escola, que também tinha sua área de terras e sua diretoria escolar, a quem competia contratar um professor, acompanhar seus trabalhos, garantir sua remuneração. Assim como a igreja, a escola fazia parte da atividade comunal.

Uma característica particular da picada é a atividade econômica de produção e de consumo. Toda família era proprietária de uma “colônia”, na qual se ensaiava a autossuficiência. Propriedade policultora, nela era produzido milho, feijão, batata, arroz, mandioca e aipim, frutas e hortaliças. No Espírito Santo e em São Paulo, cedo teve início o cultivo do café. Entre os animais encontramos gado vacum, porcos, galinhas, ovelhas, gansos. A produção permitia a mesa farta para a família e gerava excedentes, encaminhados à venda. Na propriedade rural era produzido o açúcar, graças ao cultivo da cana; era produzido o amido tirado da mandioca, feita farinha. Ao lado da residência havia, invariavelmente, a horta, na 127 qual se cultivavam as hortaliças e verduras necessárias para a mesa da família, e o jardim. Os animais produziam o leite, o queijo, a manteiga. Da suinocultura era tirada a carne para o consumo diário e a banha, usada na cozinha e na conservação de carnes e embutidos, principalmente a Wurst. Das galinhas provinham os ovos, usados na alimentação da família; o excedente era encaminhado à venda em troca de gêneros necessários à cozinha. Também o excedente da produção de suínos era encaminhado à venda. Os gansos forneciam as penas para os cobertores; as ovelhas a lã, que depois de fiada era tricotada.

Para o bom funcionamento da picada fizeram-se necessários serviços complementares à atividade rural. Muitas vezes apresentada como centro de exploração do pequeno produtor, a casa comercial, a venda, era de importância fundamental para seu desenvolvimento. Dependendo de seu tamanho, cada picada podia abrigar mais de uma dessas vendas. Nelas eram vendidos os excedentes da produção: feijão, batata, milho, ovos, galinhas, banha, couros, queijos, manteiga. Era na venda que o agricultor adquiria os bens não produzidos na picada: sal, temperos, louças, chapéus, utensílios para a cozinha. Na venda aconteceria a acumulação de capital que possibilitou os primórdios da industrialização do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

“As casas comerciais polarizavam na prática toda a vida e toda a atividade econômicofinanceira das comunidades rurais. Elas se encarregavam de levar os produtos coloniais, colocá-los nos centros maiores e fornecer os manufaturados e utilidades diversas, pondoos à disposição dos clientes do interior. Os colonos, portanto, não tinham necessidade de se ausentarem de suas ‘picadas’ ou de suas ‘linhas’ para adquirirem os bens destinados ao atendimento das necessidades quotidianas” (Rambo, 1988).

A produção agrícola exigiu o surgimento da ferraria. Nela eram produzidos os implementos agrícolas necessários para as lides diárias: facões, facas, foices, machados, enxadas, pás. A picada praticamente não adquiria implementos agrícolas de fora de sua área de instalação. Era o ferreiro quem os produzia. Nas ferrarias também eram ferrados os cavalos e as mulas.

Em razão da prática alimentar que exigia a presença de farinhas, surgiram os moinhos para os quais era levado o milho a ser moído, o arroz a ser descascado, o amendoim a ser prensado para produzir o azeite e, eventualmente, o trigo e a cevada a serem moídos.

Nas matas, nas quais foram instaladas as picadas, havia madeiras em quantidade suficiente para propiciar a instalação de serrarias. De sua produção eram tomadas as tábuas para a construção de casas, mas também das estrebarias e dos galpões. Complementarmente às serrarias puderam surgir, depois, as marcenarias e as carpintarias, onde eram produzidos os móveis.

O transporte de pessoas e de produtos, feito com o concurso de cavalos e de mulas, requereu a produção de selas e de arreios, donde surgiriam as selarias. Elas já estão a indicar todo um ramo de atividade ligado ao couro, que é a produção de calçados: botas, chinelas, tamancos, sapatos. Principalmente este tipo de produção teve incremento considerável em razão das guerras na região do Rio da Prata: nas picadas seriam produzidos os calçados para os soldados. As sapatarias não surgiram do acaso. O transporte também propiciou o surgimento 129 de profissões específicas: marinheiro e carroceiro.

Era nas funilarias das picadas que eram produzidos os utensílios necessários à casa e à atividade do agricultor: latas para o leite, para conservas, canecas, baldes, bacias, formas para o pão, as calhas e os dutos para coletar a água da cisterna.

Cada picada tinha seu alambique, a destilaria na qual era produzida a aguardente. Diversos agricultores tinham sua própria produção de vinho e de cerveja.

Na medida em que a população foi crescendo, desenvolveu-se a produção de vestuário. Profissionais alfaiates foram se transferindo para as cidades vizinhas (Porto Alegre, São Paulo). Em razão da atividade desses profissionais surgiu também incremento para a atividade de tecelões. A produção dos alfaiates, por vezes, permitiu também a integração de regiões. O alfaiate Friedrich Schreiner vendia no Uruguai o vestuário, produzido no vale do Rio dos Sinos. O comerciante Carlos Renaux financiou tecelões em Brusque e deu início à produção de tecidos em larga escala.

Nas lides agrícolas e na produção complementar a elas, a família era a célula básica da produção. O bem estar da picada dependia do bem estar das famílias. Por isso, desenvolveu-se nela o sistema da vizinhança, unidade formada por grupo de moradores da picada que se auxiliavam mutuamente na colheita, nas festividades e no luto, mas também em época de doença, quando era assumido inclusive o plantio da terra do vizinho doente. A partir desta organização é possível entender o restante da organização da picada: ela é comunitária, cooperativa.

A sociedade criada com a picada, cujos primórdios se encontram nas colônias alemãs não ficou restrita à área de colonização alemã. Ela serviria de referência para as áreas em que seriam instalados italianos, poloneses e as demais etnias que compuseram o contingente de imigrantes.

É dentro desta situação geral da picada que devemos colocar os primórdios do ensino privado no Brasil Meridional, no Espírito Santo, São Paulo e no Rio de Janeiro. Ele vai acompanhando o desenvolvimento da vida cultural nas picadas. Aqui é importante não se assumir postura romântica e idealista. Muitas vezes se louvou nos imigrantes sua persistência, sua dedicação ao trabalho, à transformação realizada nas áreas antes cobertas por matas. Com seu esforço surgiram áreas cultivadas, indústria, estradas, movimentação em vias fluviais e terrestres. Do artesanato, aliado ao capital acumulado na venda, surgiram a indústria e o comércio. Todo esse investimento não foi acompanhado, nas primeiras décadas, por um crescimento cultural e intelectual. Poucos foram os livros trazidos pelos imigrantes. Houve bíblias, vidas de Santos, hinários católicos e luteranos, livros de oração, catecismos. A vida eclesial era fraca, os primeiros prédios construídos para os cultos divinos eram muito pobres, não raramente descritos por viajantes como similares a chiqueiros ou galpões. Foram poucas as localidades em que tais prédios apresentaram condições melhores. A luta pela sobrevivência fez com que as crianças, não raramente a partir do sexto ano de vida, logo fossem incorporadas à atividade produtiva. O número de crianças também não era pequeno, pois muitos filhos significavam maior quantidade de mão de obra. Viajantes nos dão conta de que cedo as crianças aprendiam a cavalgar e que desde os cinco anos já faziam pequenas compras e entregas, montadas a cavalo. Permaneciam, contudo, analfabetas. Em Rio Claro/SP, um pastor luterano fundou uma escola com internato para reunir crianças, cujos pais colhiam café nos latifúndios. Apesar da precariedade de muitas das escolas de imigrantes, um aspecto é incontestável: impediram a propagação do analfabetismo. Mais tarde, pastores e sacerdotes se valeriam da persistência dos imigrantes, ampliando suas escolas.

No final de 1852, um elemento significativo aportou nas colônias do Rio Grande do Sul: os Brummer. O mesmo aconteceria em Santa Catarina e, depois, em outras províncias. Brummer foi o nome dado a mercenários alemães recrutados pelo império brasileiro na guerra contra a Argentina, durante a presidência de Juan Manuel de Rosas, e chegados a Pelotas em julho de 1851. Finda a guerra, os mercenários foram desmobilizados em outubro de 1852. Em sua maioria, pessoas bastante jovens, estes mercenários haviam participado na Alemanha das revoluções liberais de 1848 e lutado contra a Dinamarca. Tendo sido dissolvidos pela Federação Alemã, migraram para o Brasil em 1851, onde enfrentaram nova desilusão, ao não verem atendidas as promessas feitas pelo Império. Buscaram, então, trabalho e abrigo nas regiões em que viviam alemães e aqui constituíram família, alguns no campo, outros na cidade. Mencionese, por exemplo, o caso do grumete de um dos navios em que chegaram os Brummer, Karl von Koseritz, mais tarde jornalista e político, primeiro em Pelotas e depois em Porto Alegre, ou Karl Jansen, professor e escritor, em Porto Alegre e, mais tarde, professor no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Nas colônias, os Brummer foram considerados “fermento das colônias alemãs”. Alguns se tornaram professores e conseguiram, em diversas regiões, reorganizar o mundo escolar privado. Brigaram com os pais e conseguiram pôr fim à irregularidade na frequência às aulas, introduziram livros escolares e materiais didáticos. Outros buscaram contato com autoridades do governo provincial e conseguiram ser nomeados professores nas picadas, tornando-se, não raro, representantes dos interesses destas mesmas picadas. No aspecto cultural, foram ainda iniciadores de muitas sociedades, especialmente de cantores. Muitos deles, representantes do Iluminismo, do Liberalismo, do Materialismo e da teoria da evolução das espécies, foram não só introdutores do alemão padrão, buscando superar os muitos dialetos, mas também escarnecedores ferozes de tudo o que consideravam crendice, do curandeirismo, passando pela piedade simples dos colonos, até a religião de padres e pastores. O principal veículo para sua crítica foram jornais, aos quais se opuseram folhas religiosas católicas ou protestantes.

Sintetizando a contribuição da imigração alemã no século XIX, podemos afirmar que ela trouxe contribuições significativas para a conformação do Brasil independente. Trouxe um novo modelo econômico, baseado no trabalho do agricultor livre e na pequena propriedade. Lançou os fundamentos dos pequenos municípios do Brasil meridional, autossuficientes, autossustentáveis. Criou uma tradição escolar, fazendo das regiões povoadas por imigrantes as mais alfabetizadas do país e as de maior difusão de livros e jornais. Culturalmente, lançou as bases de uma infinidade de associações dedicadas ao ensino, canto, teatro, música. No campo religioso, além de estabelecer pela primeira vez e de forma definitiva a dissidência religiosa sob a forma do luteranismo, trouxe as tradições do catolicismo da Europa central. Foi nas áreas de imigração que mais foram discutidas as liberdades e os direitos de cidadania.